Entre o esquecimento e a verdade: o instituto jurídico da reabilitação criminal aplicado a crimes imprescritíveis no Brasil

Abstract

Esta investigação científica objetiva contribuir para a solução hermenêutica do conflito valorativo identificado no contraste do efeito sigiloso da declaração judicial da Reabilitação Criminal de condenados por delitos imprescritíveis com a liberdade de expressão, especialmente nas suas finalidades substantivas à memória coletiva e à verdade histórica, a fim de precaver a repetição de graves violações de Direitos Humanos. Alicerçada em inquietações provenientes da contraposição crítica dos efeitos da passagem do tempo nos vértices da Reabilitação Criminal e de tipos penais imprescritíveis, tem por problema de pesquisa: De que maneira o instituto jurídico da Reabilitação Criminal deve ser interpretado diante dos paradigmas derivados da imprescritibilidade de tipos penais revestidos de qualificado desvalor social imposta pela Constituição Federal e da posição preferencial ocupada pela liberdade de expressão no conflito com outros direitos fundamentais? Emprega o método hipotético-dedutivo e desenvolve-se em três capítulos, para testar a hipótese preliminar de pesquisa: em crimes imprescritíveis, diante de necessária ponderação entre o interesse individual do egresso à privacidade e o direito coletivo à livre circulação de informações revestidas de interesse público, o efeito sigiloso da Reabilitação Criminal pode ceder, motivadamente, e dar lugar à manutenção da publicidade do processo e da condenação, para que a sociedade possa se empoderar plenamente de informações, de forma a minimizar o risco de repetição de graves violações de Direitos Humanos. No primeiro capítulo, apresenta-se o instituto jurídico da Reabilitação Criminal em seu atual estado da arte. No segundo capítulo, trata-se da delimitação conceitual do que se convencionou chamar de Direito ao Esquecimento, da declaração, pelo STF, de incompatibilidade dele com o ordenamento constitucional brasileiro (Tema 786), da Reabilitação Criminal como espécie de Direito ao Esquecimento qualificado pelo sigilo e da Liberdade de Expressão. No terceiro capítulo, assenta-se a inafastabilidade da tutela penal e da vedação de proteção deficiente na esfera criminal para a salvaguarda de Direitos Humanos, exploram-se as hipóteses de afastamento constitucional da prescrição criminal – racismo (e seus derivativos, homotransfobia e injúria racial) e abolição violenta do Estado Democrático de Direito –, analisa-se o instituto jurídico da Reabilitação Criminal à luz da Constituição de 1988, da Declaração Universal dos Direitos do Homem e da Declaração Americana de Direitos Humanos e submete-se a hipótese preliminar de pesquisa a teste de ponderação racional, com ancoragens hermenêuticas ligadas às proposições de Robert Alexy acerca da Teoria dos Princípios e a Máxima da Proporcionalidade, do que se conclui que, embora a Reabilitação Criminal, por sua natureza de medida de política criminal voltada à reinserção social, deva ser garantida, universalmente, a todos os egressos do sistema de justiça criminal, uma vez preenchidos os requisitos legais, a imposição do sigilo sobre o processo e a condenação merece ponderação circunstanciada, que deve levar em conta, no caso de condenados por crimes imprescritíveis, além da privacidade do egresso, o interesse coletivo eventualmente subsistente no acesso à informação, considerado sob a vertente da liberdade de expressão, especialmente nas suas finalidades substantivas à memória coletiva e à verdade histórica. Oferece-se proposta de aprimoramento legislativo do instituto da Reabilitação Criminal

This scientific research aims to contribute to the hermeneutic solution to the conflict of values identified in the contrast between the secrecy effect of the judicial declaration of the Criminal Rehabilitation of those convicted of imprescriptible crimes and freedom of expression, especially in aspects regarding collective memory and historical truth, in order to prevent the repetition of Human Rights violations. Based on concerns arising from the critical opposition of the effects of the passage of time on the vertices of Criminal Rehabilitation and imprescriptible crimes, the research problem is: How should the legal institute of Criminal Rehabilitation be interpreted in light of the paradigms derived from the imprescriptibility of crimes coated with high social devaluation prescribed in the Federal Constitution and the preferential position occupied by freedom of expression contrast with other fundamental rights? The hypothetical-deductive method is applied and the research is developed in three chapters to test the preliminary research hypotheses: in imprescriptible crimes, given the necessary balance of the egress´s right to privacy and the collective right to free circulation of information of public interest, the secrecy effect of Criminal Rehabilitation can give way, with motive, to maintaining the publicity of the process and conviction, so that society can be fully equipped with information, in order to minimize the risk of reproduction of Human Rights violations. In the first chapter, the legal institute of Criminal Rehabilitation is presented in its current state of the art. The second chapter presents the conceptual delimitation of what is conventionally called the Right to be forgotten, the declaration, by the STF, of its incompatibility with the Brazilian constitutional order (Theme 786), Criminal Rehabilitation as a type of Right to be forgotten qualified by secrecy and Freedom of Expression. In the third chapter, the inescapability of criminal protection and the prohibition of deficient protection in the criminal sphere for the safeguard of Human Rights are established, the constitutional imprescriptible crimes are explored - racism (and its derivatives, homotransphobia and racial insult) and violent abolition of the Democratic State of Law –, the legal institute of Criminal Rehabilitation is analyzed in light of the 1988 Constitution, the Universal Declaration of Human Rights and the American Declaration of Human Rights and the preliminary research hypothesis is submitted to the rational weighting formula, with hermeneutic anchors linked to Robert Alexy's Theory of Principles and the Principle of Proportionality, from which it is concluded that, although Criminal Rehabilitation, due to its nature as a criminal policy measure aimed at social reintegration, must be guaranteed, universally, to all individuals egressed from the criminal justice system, once the legal requirements are met, the imposition of the secrecy regarding the process and the conviction deserves detailed consideration, which must take into account, in the case of those convicted of imprescriptible crimes, in addition to the privacy of the ex-prisoner, the collective interest that may subsist in access to information, considered under the aspect of freedom of expression, especially in its substantive purposes regarding collective memory and historical truth. A proposal for legislative improvement of the Criminal Rehabilitation Institute is offered.